Filha de zeladores, Emanuelle Aguiar enfrentou barreiras e preconceito. Agora, luta pela inclusão de pessoas com deficiência. Filha de zelad...
Filha de zeladores, Emanuelle Aguiar enfrentou barreiras e preconceito. Agora, luta pela inclusão de pessoas com deficiência.
Filha de zeladores de condomínio diagnosticada com paralisia cerebral com um ano e meio de idade, a carioca Emanuelle Aguiar de Araújo, 29 anos, é a primeira estudante com paralisia cerebral a se formar pelo Setor Litoral da Universidade Federal do Paraná (UFPR), e a segunda de toda a instituição. No último dia 20 de setembro, véspera do Dia Nacional de Luta da Pessoa com Deficiência, Emanuelle assinou o diploma de licenciatura em geografia.
A história de vida da estudante começou com uma notícia trágica. “Fui informada que ela não iria andar, nem falar. Que seria uma alface em cima da cama”, conta a mãe da aluna, Adriana Aguiar, lembrando ter recebido o diagnostico de forma completamente hostil. “Foi quando abandonei o emprego para conseguir acompanhar e apoiar minha filha durante toda a fase escolar.” Já o pai, Armando Marcos, em contra partida, começou a trabalhar em dobro para conseguir manter a casa e atender às necessidades da filha.
Na terceira série do ensino fundamental, quando Emanuelle tinha 8 anos e estudava em um colégio em Martinhos, litoral de Paraná, sua mãe foi chamada para uma reunião com a professora, na qual a docente relatou que a aluna não estava acompanhando o desempenho da turma, e que iria reprová-la. Acreditando veemente na professora, ela concordou com a decisão.
Contudo, no início do semestre seguinte, quando Emanuelle havia mudado de turma e prosseguido o acompanhamento estudantil com outra professora, Adriana foi chamada novamente na instituição, desta vez por outro motivo. A nova professora estava fascinada com o desenvolvimento da menina e alegou que não tinha mais como ensiná-la sobre o conteúdo correspondente com o ano que ela estava refazendo, pois já tinha conhecimento das matérias.
Consequentemente, elas decidiram que a estudante finalizaria o ano sendo assistida pela mesma professora durante as aulas. Com o passar do período letivo, elas acabaram descobrindo que a antiga professora, havia reprovado Emanuelle por sua caligrafia ser pouco ilegível, devido a deficiência motora.
Emanuelle conta as dificuldades nos relacionamentos sociais foram mais difíceis durante o ensino fundamental II. Essa situação ocorria, segundo ela, por não conseguir se inserir nas atividades propostas, como pique-bandeirinha e pega-pega, ações que não podiam fazer parte da sua realidade por conta da deficiência física. “Foi quando vi que não era igual aos meus colegas de turma. Alguma coisa no meu corpo não estava em conformidade com as outras pessoas”, afirma.
No início do ensino médio, um novo desafio foi proposto a estudante, dessa vez financeiro e que envolveria toda a família. Foi quando uma professora de história, do 9º ano, a aconselhou a comprar um notebook, com o objetivo de facilitar sua aprendizagem e pudesse acompanhar a demanda do aumento de disciplinas e das atividades. A família não tinha condições de comprar o equipamento eletrônico, mas o processo de aprendizagem da filha sempre prevaleceu. “Meus pais parcelaram o notebook em 36 vezes. Meu notebook minha vida”, brinca Emanuelle.
Mesmo se esforçando para conseguir acompanhar a nova etapa, ainda segundo ela, um professor de geografia chegou a proibi-la de usar o notebook em sala de aula, alegando que seria um privilégio em relação aos outros estudantes. Dessa forma, para contestar a decisão do docente, a estudante, além de mobilizar sua mãe, teve que pedir que a professora de atendimento especializado conversasse com aquele professor e solucionasse a questão.
Durante o ensino médio, Emanuelle estudava de manhã e, no contraturno, fazia acompanhamento com o atendimento educacional especializado. Essas atividades no período da tarde a auxiliaram com as matérias de exatas, as que ela tinha mais dificuldade, por conta da discalculia, dificuldade para pensar, refletir, avaliar ou raciocinar atividades relacionadas à matemática.
Já na universidade pública, no início do primeiro semestre, em 2017, ela enfrentou dificuldades de mobilidade e ficou ainda mais difícil acompanhar as aulas. Todas as salas de aula, se localizavam no terceiro andar da instituição e o elevador sempre estava com defeito. Por conta disso, ficou 68 dias assistindo aulas no auditório.
“Não conseguia subir as escadas, e começamos uma briga. Desenvolvemos a primeira associação de inclusão e mobilidade no setor, formada por professores, técnicos, estudantes e comunidade externa”, recorda.
A mobilização acadêmica conseguiu resolver o problema da acessibilidade física. No entanto, a acessibilidade pedagógica deveria ainda ser equacionada. Segundo ela, o fato de ser a primeira estudante com deficiência não possibilitou que ela fosse recebida de maneira adequada na universidade. Emanelle teve, então, que lutar, novamente, para que seus direitos básicos fossem atendidos.
Hoje, com duas formações, uma em recursos humanos, diploma conquistado em uma instituição privada, na qual ela recebia bolsa completa, e outra em geografia, Emanuelle consegue mapear os problemas do sistema educativo. “Agora, estudando educação inclusiva, percebo que a escola não tem incentivo para receber pessoas com deficiência, mesmo tendo ótimos professores. A falta de investimento e de formação profissional adequada dos docentes sobre inclusão faz com que a escola não seja um ambiente receptivo para os deficientes”, constata. “Cada passo uma luta. Ser a primeira não foi fácil. Quem chega primeiro sempre encontra a porta fechada”, completa.
A nova geóloga reforça que, agora, seu compromisso é com a construção de um coletivo familiarizado com a inclusão. Na sua época, a grade acadêmica do curso de geografia, assim como a própria universidade, não oferecia matéria ou um módulo sobre educação inclusiva. E agora, a pedido da associação, no primeiro semestre de 2023, a universidade irá reformular um projeto político de inclusão, com a sua participação.
Atualmente, ela trabalha na área administrativa de um hotel e também participa como tutora de um projeto de extensão denominado desenho universal para aprendizagem, ministrado pela Universidade Federal do Pampa (Unipampa), que promove a inclusão no ambiente escolar.
A geografia entrou na vida de Emanuelle pelo fascínio que a jovem tinha em lecionar. Era um sonho, desde a infância. Depois da entrega do diploma, o sonho ainda persiste em persegui-la, agora no ambiente acadêmico. O próximo passo, revela, é investir em uma pós-graduação e possibilitar que a acessibilidade de outras pessoas com deficiência não seja mais um caso exclusivo na instituição e, sim, uma realidade unilateral.(euestudante)