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Oito anos após feminicídio se tornar crime, 159 mulheres foram assassinadas no DF

  Dados da Secretaria de Segurança Pública mostram número de vítimas entre março de 2015 e fevereiro de 2023 BRASÍLIA | Karla Beatryz*, do R...

 

Dados da Secretaria de Segurança Pública mostram número de vítimas entre março de 2015 e fevereiro de 2023

BRASÍLIA | Karla Beatryz*, do R7, em Brasília

Fernanda Letícia, 27 anos; Jeane Sena, 42 anos; Ana Carolina, 25 anos; Natália Francelino, 21 anos. Essas são algumas das 159 mulheres que perderam a vida em casos de feminicídio no Distrito Federal desde 9 de março de 2015, quando a lei que tornou crime esse tipo de homícidio entrou em vigor. Todas elas tinham planos, trajetórias e sonhos que foram interrompidos apenas pelo fato de serem mulheres. Os dados jogam luz sobre a falta de investimento em políticas públicas voltadas à prevenção da violência doméstica e à proteção de mulheres.

O feminicídio, crime hediondo ligado à violência de gênero, é a qualificação do homicídio como “o assassinato de uma mulher cometido por razões da condição do sexo feminino”. Os crimes são cometidos em situação de violência doméstica, familiar ou por alguma razão de menosprezo ou discriminação da condição de ser mulher.
Conforme levantamento da Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal, foram registrados 193 casos como feminicídio consumado, entre março de 2015 e fevereiro de 2023. Dentre esses, 36 foram desconsiderados por decisões judiciais e 157 foram mantidos, havendo dois casos com duas vítimas.
Apesar da inclusão da lei, o número de vítimas continuou subindo e alguns crimes ainda estão sem resposta. É o caso de Talita Moreira, de 18 anos. A jovem trabalhava como técnica de enfermagem, na Asa Norte, quando foi abordada durante o percurso para o trabalho, em 26 de fevereiro de 2017, e foi morta de forma brutal.

A família relata que Talita costumava sair cedo para trabalhar, mas naquele dia não conseguiu chegar no ponto de ônibus. No dia seguinte, em 27 de fevereiro de 2017, a Polícia Militar encontrou um corpo em Samambaia (DF), que foi confirmado como o da vítima. A mãe de Talita, Magali Souza, conta que o laudo do Instituto Médico Legal (IML) mostrava que a garota apanhou e foi torturada antes de ser assassinada. Ela apresentava vários ossos quebrados, afundamento do crânio e foi degolada, segundo o IML.

Para a família, o principal suspeito é o ex-namorado da vítima. A mãe conta que os dois tinham um relacionamento conturbado e haviam se separado pouco tempo antes do crime. Segundo ela, o jovem não aceitava o fim do relacionamento. Seis anos depois o feminicídio continua sem respostas, sendo investigado pela Polícia Civil e pelo Ministério Público de Samambaia.

Leia também: Oito mulheres são agredidas por dia no Distrito Federal

Os números do levantamento mostram que 84% das mulheres tinham uma relação íntima de afeto com o autor e foram mortas por ex-maridos, ex-namorados, ou pelo atual parceiro e 7,5% das vítimas têm relação familiar com seu assassino. A advogada especialista em direito penal Jéssica Marques explica que quando o companheiro demonstra comportamentos abusivos e agressivos, ele se torna um risco em potencial.

"Essas situações começam em casos de violência doméstica, moral, psicológica, financeira, sexual, ou seja, aquele agressor, que está dentro de uma relação, faz constantes violências psicológicas e ameaças contra a mulher e eventualmente violência física. Isso, a depender de um estopim, como uma briga, pode acabar causando um futuro feminicídio", explica.

A advogada afirma que é importante que a mulher se resguarde e perceba qual a conduta do seu parceiro ou de outra pessoa que está em convivência com ela. “Para evitar esse tipo de situação, ela pode se afastar, ou pedir ajuda das proteções previstas dentro da Lei Maria da Penha, para que consiga se assegurar de qualquer tipo de violência."

Feminicídio em números

O balanço da Secretaria de Segurança Pública revela que 64% dos casos de feminicídio registrados entre março de 2015 e fevereiro de 2023 foram motivados por ciúmes ou sentimento de pose e 75% das mulheres morreram dentro da própria casa. Das 159 vítimas, 71% não registraram nenhum boletim de ocorrência contra o agressor, na esperança que o companheiro não cometesse outro ato de violência. 

Além da motivação, os dados mostram, ainda, que 50% dos casos foram praticados com armas brancas, como facas, por exemplo. 24% das mulheres foram assassinadas por asfixia, agressões físicas ou fogo e 22% por armas de fogo. Entre as vítimas, 122 mulheres eram mães e deixaram 297 órfãos no Distrito Federal.

Os crimes continuam

No dia 2 de março de 2023, duas mulheres foram encontradas mortas no Distrito Federal. Letícia Barbosa, de 29 anos, e Rayane Ferreira, 18 anos, foram assassinadas no Setor de Indústria Gráfica de Taguatinga e no Riacho Fundo II, respectivamente. Novamente, os assassinos tinham relações afetivas com as vítimas. 

Letícia Barbosa foi encontrada no interior de um banheiro pela Polícia Civil. Segundo a corporação, ela apresentava várias lesões e possivelmente foi vítima de espancamento. O principal suspeito é o ex-namorado da vítima. O pai dele foi encontrado no local do crime.

Em setembro de 2022, a vítima procurou a Polícia Civil do DF para relatar que o ex-companheiro havia ido a sua casa para ameaçá-la e jogou a bicicleta em cima dela. No mesmo dia, o homem perseguiu a jovem. Outra ocorrência contra o suspeito havia sido registrada em julho de 2022, por tentativa de feminicídio. “Ela disse que temia por sua vida, devido ao temperamento agressivo, violento e imprevisível do autor. Ele não aceitava o fim do relacionamento”, narra a ocorrência. Na ocasião, a vítima pediu medidas protetivas.

O segundo caso ocorreu no Riacho Fundo II. Rayane Ferreira foi encontrada pelo Corpo de Bombeiros em casa, com sinais de agressão e enforcamento. A jovem teria sido morta pelo companheiro, de 21 anos.

A investigação da Polícia Civil aponta que o casal brigava constantemente e outras agressões já haviam sido registradas. O suspeito teria fugido do local com o filho do casal, de 1 ano, mas a criança foi encontrada com o avô paterno, em Ceilândia.

Rayane Lima e Letícia Barbosa Mariano, vítimas de feminicídio no Distrito Federal

Rayane Lima e Letícia Barbosa Mariano, vítimas de feminicídio no Distrito Federal

ARQUIVO PESSOAL/REPRODUÇÃO - 02.02.2023

A advogada Jéssica Marques explica que apesar da diversidade de políticas públicas direcionadas às mulheres, a cultura machista e a sociedade patriarcal reforçam e encorajam esse tipo de comportamento agressivo.

“Vivemos em uma sociedade com culturas machistas e patriarcais, que mantém expressões como ‘em briga de marido e mulher não se mete a colher’, como se a mulher tivesse que se submeter ao marido e manter o casamento. Essas premissas acabam fazendo com que aconteçam situações de violência e que as mulheres aceitem esse tipo de situação e consequentemente não fazendo denúncias”, explica.

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Ela destaca que o trabalho mais efetivo para evitar o feminicídio é cultural, educativo e informativo, para mudar a consciência da sociedade. “Acredito que atualizar e alterar questões legislativas também é necessário, para trazer cada vez mais repressão a esses tipos de crime, de violência doméstica e familiar contra a mulher”.

Como pedir ajuda

O Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT) explica que, em caso de urgência, a mulher ou alguém que presencie a situação de violência pode pedir ajuda pelo telefone 190, da Polícia Militar.

A Central de Atendimento à Mulher pode ser contatada pelo telefone 180. A Secretaria Nacional de Políticas para Mulheres criou um canal exclusivo, que registra e encaminha as denúncias de violência aos órgãos competentes.

A Delegacia Especial de Atendimento à Mulher (Deam), da Polícia Civil, é localizada na Asa Sul e funciona 24 horas por dia, todos os dias da semana. A mulher pode comparecer ao local mediante qualquer situação que configure violência doméstica para registrar ocorrência. O Disque Denúncia, da PCDF, também fica disponível 24 horas por dia, pelo telefone 197.

*Estagiária sob supervisão de Fausto Carneiro.